Cobrir guerra “é um perigo permanente porque tudo pode acontecer”

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Laura Galvão (1º semestre)

No dia 7 de abril de 2022, o curso de Jornalismo da ESPM-SP recebeu o jornalista e correspondente internacional de guerra, Yan Boechat, para palestrar sobre cobertura de guerra e esclarecer questões sobre os acontecimentos recentes da Ucrânia e Rússia. O DONC entrevistou Boechat logo após a palestra.

DONC – Quais os riscos que você enfrenta na sua profissão no exterior? É um constante perigo a partir do instante que você sai do hotel até o momento que você chega no hotel?

Boechat – É um perigo permanente, porque tudo pode acontecer. Não é um super perigo, mas você está em uma área de guerra, as coisas podem acontecer, pode cair uma bomba, existe o perigo recorrente, mas em gradações diferentes.

DONC – Existe algum acordo que você precisa fazer com o governo do país em questão para manter sua imparcialidade?

Boechat – Tem algumas regras que eles estabelecem, por exemplo, não pode fazer fotos em checkpoint, não pode fazer foto de veículo militar se deslocando, muitas vezes os soldados não gostam que você tire fotos da face deles, então tem algumas regras que precisa seguir.

DONC – Qual foi seu ponto decisivo que fez você escolher que ia para a guerra fazer uma cobertura jornalística, mesmo com todos os perigos e riscos?

Boechat – Eu sempre gostei de história, sempre tiver vontade de ver essas coisas acontecendo, os conflitos são os definidores da história. Desde na época da faculdade, até antes, tive essa vontade.

DONC – As reportagens, na maioria das vezes, quando elas chegam até nós não são imparciais, chegam com um pouco de influência por conta da visão do ocidente. Você relaciona isso com a mídia agindo na mentalidade da população impossibilitando a gente de pensar de forma autônoma?

Boechat – Do outro lado também, na Rússia as matérias são totalmente enviesadas, só que do ponto de vista deles. A mídia e a imprensa são formas de exercer poder e de obter controle da opinião pública, não existe essa coisa de imparcialidade total, tudo tem um filtro moral, filtro de valores; é até um pouco natural isso acontecer.

DONC – No começo da palestra, você falou sobre a “tranquilidade em aceitar a finitude da guerra”, você poderia elaborar isso mais um pouco?

Boechat – Em geral, as pessoas quando estão em uma situação de guerra, uma situação de grande risco, elas aceitam a ideia da possibilidade de morrer, faz parte. Eu já tive contato com pessoas que não conseguem aceitar a ideia de que a morte pode acontecer e elas ficam muito descontroladas, ou seja, perdem um pouco a tranquilidade que, às vezes, é preciso para você estar em um ambiente desse. Por exemplo, um bombeiro que vai fazer um trabalho, ou uma pessoa que vai fazer um resgate em um lugar de risco, ele sabe que tem um perigo inerente ali, e o mesmo tem uma tranquilidade em relação a essa possibilidade de tudo dar errado, apesar disso, ele confia numa série de coisas e resolve fazer o trabalho que foi atribuído.  

DONC – Você acha que a Rússia vai conseguir sobreviver economicamente diante das sanções ocidentais que estão se intensificando ultimamente?

Boechat – Eu acho que sim. O rublo (moeda russa) já se revalorizou. Acho que vai ter uma crise econômica, mas a China vai ajudar a Rússia de certa forma, as sanções não vão ser capazes de derrubar, na minha opinião.

DONC – Sobre a Ucrânia, o que você acha que vai acontecer se a Rússia conseguir atingir todos os seus objetivos?

Boechat – Acredito que a Ucrânia, de certa forma, irá voltar para área de influência da Rússia, mas vai ser um país muito dividido, mais dividido do que era antes. Acho que vai ter muito conflitos internos a partir de agora, para definir quem vai ficar hegemonicamente no poder e, além disso, vai se tornar um país instável politicamente por muito tempo; e, provavelmente, a divisão do leste e oeste vai se agravar.

DONC – Com a situação caótica da Ucrânia e as inúmeras mortes, porque o presidente Zelensky não recua e aceita as propostas da Rússia? 

Boechat – É uma questão importante, o presidente da Ucrânia vai ser cobrado por isso no futuro pois quando terminar essa guerra, provavelmente, a Rússia vai ter conseguido tudo que queria. O presidente se colocou em uma posição de confrontar um gigante, então tem ganhos políticos e perdas políticas, não sei dizer se haverá maior perdas do que ganhos, isso só veremos no desenrolar da guerra, mas vai ter uma pressão grande nesse sentido que já existia em parte da população.

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