Jornalismo empreendedor, quem diria que um dia essas palavras estariam juntas e fariam total sentido? O que antes parecia improvável hoje é uma realidade muito explorada. Para um jornalista ser bem-sucedido, já não é mais necessário estar ligado a um grande veículo. Muito pelo contrário, um novo jornalismo, independente e empreendedor, está surgindo na internet.

O Ada.vc é um desses projetos inovadores. Criado em 2014, por Natasha Madov e Diana Assennato, ambas jornalistas, o site tem enfoque na tecnologia voltada ao universo feminino. A inspiração para a iniciativa é Ada Lovelace, considerada a primeira pessoa a programar um computador na história. E essa foi uma escolha adequada para relacionar a mulher com o universo tecnológico.
Em março desse ano, conversamos por Skype com Natasha co-fundadora do Ada, que fez mestrado em jornalismo empreendedor em Nova York, onde mora atualmente. Natasha falou sobre jornalismo empreendedor e suas experiências na área. Ela nos contou, entre outras coisas, sobre o início do projeto, como gerenciar o site de outro país e ainda deu dicas de empreendedorismo.

Trajetória do Ada
DONC: Como surgiu a ideia de criar o Ada?
Natasha: Quando comecei na universidade –CUNY– eu já tinha que ter uma ideia de empreendedorismo para o meu curso. Algumas coisas eram difíceis de realizar sozinha, aí eu lembrei do projeto pessoal que já tinha com a Diana, e que estávamos planejando antes da minha mudança. Apresentei para os meus professores, eles gostaram da ideia. Dessa forma, nós começamos com o Ada.
DONC: Depois de quanto tempo vocês passaram a receber retorno financeiro?
Natasha: Foi um investimento que se pagou nas primeiras colunas que a gente fez, obviamente porque somos só nos duas, a gente não está fazendo um investimento muito grande em equipe. Nós não temos mais ninguém trabalhando no Ada além de mim e da Diana. O dinheiro que entra é o dinheiro que a gente consegue colocar. O investimento do site se paga super bem, mas não conseguimos aumentar muito, talvez se a gente tivesse um investimento maior ou externo, pudéssemos ter equipe e fazer a coisa crescer mais rápido. Não que não possa crescer nos nossos próprios passos, no nosso próprio ritmo, mas quando tem investimento externo, a possibilidade de crescer é mais rápida e maior.
DONC: Há tantos outros temas que possibilitam um foco feminista. Por que tecnologia?
Natasha: Uma das motivações para a escolha do tema foi o fato de que a maioria dos veículos brasileiros de tecnologia possuem um olhar mais masculino. Havia um grande público de mulheres que gostam desse assunto e não estavam sendo atendidas. Então, a gente foi atrás desse público para servi-lo.
DONC: A formação de vocês é jornalismo, de onde surgiu o interesse pelo empreendedorismo?
Natasha: Eu quero muito pensar no jornalismo como negócio. Tem algumas coisas acontecendo com a nossa indústria, todos os modelos de negócios que existiam antigamente (rádio, TV, jornal) implodiram com a vinda da internet. Tudo mudou por causa da comunicação digital, e ao mesmo tempo a internet trouxe uma novidade: os meios de comunicação ficaram mais acessíveis para todo mundo e as redes sociais vieram como novas plataformas para transmitir informações. Tudo isso é concorrência para o jornalista.
Dica: Ficar sentado ao computador já não é o suficiente. É preciso entender o pensamento empresarial por trás da profissão, disse a co-fundadora do site. “O jornalista tem que entender o universo em que trabalha”.
DONC: Como foi o começo do projeto? Vocês tiveram investimento ou foi do próprio bolso?
Natasha: Não, o investimento foi todo nosso. Foi um investimento muito pequeno comparando com o que poderia ser a 20 anos atrás. A gente montou o site, custou comprar o domínio, comprar Template no WordPress, instalar tudo e começar. Nem dinheiro para patrocinar posts no Facebook nós colocamos, porque a gente sempre acreditou que temos que deixar a público achar a gente organicamente.
Modelo de Negócios
DONC: Como se dá a divulgação do projeto?
Natasha: A divulgação é basicamente por parceiros e redes sociais. Usamos nossas redes pessoais e tem muito boca a boca, tem newsletters que rendem novas assinaturas em volumes altos e a gente não fez nenhuma divulgação especial naquela semana, então da onde elas podem vir? Provavelmente porque alguém encaminhou para outras pessoas. Ou olham no site, gostam e aí assinam.
DONC: O Ada possui parcerias com temas relacionados aos apresentados no blog como o M de Mulher, Guizmodo Brasil e a revista TPM. Como vocês as selecionam?
Natasha: É meio quando sentimos que tem um objetivo em comum e a parceria faz sentido para a gente. Por exemplo, o Guizmodo é um site de tecnologia, então era um jeito de ampliar para um outro público que tinha a ver com o tema. O M de Mulher é um site feminino, então fazia sentido. Tivemos a proposta de outros lugares, para virar um blog parceiro, mas a gente achou que como M de Mulher era onde fazia mais sentido.
DONC: Nós reparamos que vocês não possuem nenhum tipo de publicidade no site, qual o motivo disso?
Natasha: A gente gostaria de ter publicidade, nós não temos simplesmente porque nunca encontramos um modelo que valesse a pena. Até mesmo pela falta de tempo, porque somos apenas nós duas e estamos muito focadas em editorial, a gente não acha que o dinheiro que alguns Google Ads rendem, valem a poluição no site. Nosso modelo comercial é mais focado em venda de conteúdo, ao invés de uma venda de publicidade pura e simples nos modelos mais tradicionais.
DONC: Como vocês fazem para, dentro do Ada, divulgarem estas parcerias?
Natasha: Na verdade esta parceria é divulgada pela TPM e quando achamos que o assunto é interessante para o nosso público nós replicamos a matéria no site.
DONC: O país está passando por uma crise, como é passar por isso com um empreendimento tão novo? Principalmente para você que está morando em outro país com economia muito diferente.
Natasha: Afeta o nosso bolso diretamente, talvez a gente tivesse mais oportunidades para vender publicidade e outras coisas se a crise não estivesse acontecendo. Mas não perdemos nada por causa da crise, a gente não deixou de fazer a coluna, de fechar a parceria com o M de Mulher, de crescer em termos de tamanho e de público. Onde há crise também há oportunidade, as vezes fica difícil de enxergarmos. Os EUA também passaram por uma recessão violentíssima no final de 2008/2009, muito jornal fechou e nessas horas precisamos de um pouco mais de criatividade para fazer as coisas acontecerem.
Dica: Use a dificuldade a seu favor. É preciso criatividade para inovar e transformar as adversidades em novas oportunidades.
DONC: Como é gerenciar o projeto de outro país?
Natasha: Essa é beleza da internet e das novas tecnologias. A Diana está no Brasil, ela consegue trabalhar com os parceiros enquanto eu cuido mais da parte do conteúdo daqui. Do mesmo jeito que vocês me entrevistam pelo Skype eu também entrevisto pessoas pelo Skype, telefone. Nesse momento é bem tranquilo, não estamos com muita dificuldade. Aqui nos EUA eu tenho mais facilidade em ver coisas que estão acontecendo aqui, em relação a novas tecnologias, empreendedorismo, novas plataformas etc. Eu tenho mais acesso e fico sabendo de coisas que acontecem aqui, mas rapidamente.
DONC: Que conselhos vocês têm para dar para quem quer seguir uma carreira empreendedora? Como se destacar?
Natasha: Empreender em jornalismo significa muito trabalho com pouco tempo para diversão. Você foca muito no seu projeto, você precisa ter disposição e ter tolerância aos riscos e às incertezas. Você não sabe o que vai acontecer no dia seguinte, se vai dar certo ou não. É bom fazer um pouco de pesquisa antes, mas muito vai ser do feeling. Você tem que ter tolerância a incerteza até o produto ir para o ar e você ver o resultado.
Dica: “As barreiras de entrada diminuíram drasticamente, os jornalistas conseguem hoje em dia abrir negócios próprios em jornalismo, em publicações, com menos dinheiro, então ficou mais fácil para o jornalista empreender”.
Futuro do projeto
DONC: Recentemente vocês criaram um curso de empreendedorismo para mulheres. Além disso, quais as expectativas para o futuro do projeto?
Natasha: O site tem planos de expansão para outras mídias, para fazer podcast e canal de YouTube. Não tem porque a gente não expandir para essas outras mídias e ficar só no escrito.
DONC: Vocês pensam em produzir conteúdo para a população feminina estadunidense?
Natasha: Seria uma coisa mais para o futuro quando pudéssemos ter uma equipe e competir de uma maneira mais consistente. Mas simplesmente fazer um site e traduzir as coisas do português para o inglês eu não sei se faria muito sentido. Até porque as mulheres são diferentes. Estabelecemos toda a linha editorial do Ada para a mulher brasileira. A gente teria que refazer isso pensando nas mulheres americanas e em quais são as suas necessidades, então seria mais demorado.
Camilla Santos (1º semestre de Jornalismo)
Jacqueline Aliandro (1º semestre de Jornalismo)