Para Xico Sá, jornalistas devem escrever de forma menos chata para agradar leitores



O jornalista e escritor Francisco Reginaldo de Sá Menezes, conhecido como Xico Sá, 55 anos, com mais de 30 anos de profissão, já passou por diversos veículos de comunicação. Nascido na cidade do Crato, no Ceará, conta com passagens pelo jornal Folha de S. Paulo onde atuou como repórter investigativo e colunista. Hoje escreve para jornal El País sobre temas cotidianos como futebol, amor e política. Teve também participações na televisão, passando pela TV Cultura, Rede Globo, com o programa Amor & Sexo, e atualmente atua no Papo de Segunda, do GNT.

A revista Trip o descreveu como “cronista de futebol, conselheiro sentimental, celebridade da internet, figura da televisão, boêmio inveterado, apaixonado pelas mulheres”. Na entrevista a seguir, Xico Sá revela ser também um jornalista crítico e observador da profissão que escolheu para chamar de sua. Entre outras ideias, ele defende que os jornalistas precisam escrever de forma menos chata para poder agradar os leitores.

xico sá

Foto: Carolina Brandileone

O jornalista Xico Sá, colunista do El País,  que participa do programa Papo de Segunda, no GNT

Em 2014, um pouco antes das eleições presidenciais, o seu texto “Fla-Flu Eleitoral” motivou a sua saída do jornal Folha de S. Paulo. Esse é um excelente exemplo da influência da organização sobre o trabalho do jornalista. O profissional tem, hoje em dia, com as possibilidades multimídia, maior liberdade de construir um trabalho independente?

 Xico Sá: Tem muito mais, infinitamente. As novas gerações quando não encontram liberdade dentro do seu trabalho oficial, que lhe sustenta, têm essa bela opção que é abrir uma coisa paralela para escrever o que quer. Isso só vim a ter para valer agora, depois da internet, do blog. Eu vivi o começo da carreira e uma longa história em que para o jornalista só havia seis grandes jornais no Brasil:  Folha de S. Paulo, Estadão,  Globo, Jornal do Brasil, Zero Hora, Jornal do Comércio, do Recife, ou algum da Bahia.

Havia poucas opções de trabalho na área de jornalismo impresso, que é o que eu mais gosto de fazer, e você não tinha essa fuga e essa liberdade para ter opinião e para escrever o que bem entendesse, para falar com o público que quisesse e para ficar fora daquela amarra mais pesada dos jornais.

“Hoje nós temos essa grande alternativa do blog, canal do YouTube, ou seja, as opções são gigantes.”

Na verdade, o jogo sempre foi muito dissimulado, você não sabe até onde pode, o que pode, quando pode. Até essa minha coluna, “Fla-Flu Eleitoral”, se não fosse período eleitoral, acho que rolava na boa, não teria problema. Mas hoje nós temos essa grande alternativa do blog, canal do YouTube, ou seja, as opções são gigantes.

Fiz, quando começou a internet no Brasil, e eu trabalhava na Folha como repórter investigativo, um site em html. Me davam muita angústia as determinações e obrigações para valer do Manual de Redação. Era quase proibido ter um texto melhorzinho,  e acho que dá para você escrever do seu jeito e colocar todas as informações contemplando o leitor de uma forma menos chata. Então, abri esse site, O Carapuceiro, que era o nome de um jornal do Recife do século XIX, com esse objetivo de ter um lugar para me satisfazer com uma forma de escrever mais interessante. Até porque o jornalismo tem muito isso, ele quase proíbe, em outras palavras, que você se solte um pouco mais.

Na sua mensagem de saída da Folha, você comentou: “O jornalismo é uma versão (mais próxima possível) da realidade. É nesse sentido que coloco a mentira.” Quando você diz, nesse sentido, que a mentira aparece, você discorda da ideia de que o jornalismo reflete a realidade?

Xico Sá: Não é totalmente reflexo, não. A gente faz uma versão o mais perto possível. Coloque quatro pessoas dentro do mesmo fato, por exemplo. Cada uma irá narrar um pouco diferente e vai chegar à redação de outro jeito, somado à opinião preconcebida, preconceituosa dos editores e também do repórter, isso já é um filtro para contar com uma série de desvios. Eu via muito isso quando em uma cobertura saía como repórter da Folha e tinha o cara do Estadão, o da Veja, e o da televisão. Em alguns casos, eu chegava a dizer: “Não, isso não pode ser o mesmo fato, você está mudando tudo, a concepção a interpretação”.

“É uma tentativa humaníssima de chegar perto de contar a realidade, mas na maioria das vezes não se consegue.”

É nesse sentido que eu digo isso. Acho que é uma tentativa humaníssima de chegar perto de contar a realidade, mas na maioria das vezes não se consegue. Cada um tem uma ótica, um jeito, uma percepção e, claro, que há outros filtros que distorcem totalmente. Não é tornar uma ficção, mas, digamos que seja um jornal de linha sensacionalista. Obrigatoriamente, ele vai distorcer os fatos, porque quer aumentar o sangue, a importância do crime, tornar o bandido mais perigoso. Então, dependendo da natureza do jornal, será contado de uma forma, vira um artifício.

É nesse sentido, que eu falo desse parentesco com a mentira, pois vira uma distorção real. Não sou o santo das histórias, estava dentro desse processo e fiz muita coisa desse jeito. Às vezes para tornar mais interessante, mais atrativo, além de acabar interpretando da maneira que condiz ao jornal.

“Defendo que os jornais brasileiros deveriam adotar a linha de jornais americanos, que declaram seus candidatos, ficaria um jogo mais limpo com leitores”, você declarou uma vez. Falar de politica, para você, sempre foi comum e corriqueiro. Mas, no atual cenário que envolve a politica brasileira, isso passou a ser um empecilho?

 Xico Sá:  Com esse cenário, agora, acho que é maior o controle do jornal. Sempre quem trabalhava com política como repórter vibrava quando acabava a eleição. Normalmente a gente ia tomar um porre. “Ufa, agora a gente pode escrever mais aliviado”. Eu acho que o controle é muito gigante, acho que tem um lado muito declarado, muito aberto, muito claro de posicionamento, e o controle é gigante nesse sentido.

Como é o seu processo de produção de textos para os grandes veículos? Você segue algum tipo de rotina desde a definição do tema que abordará até o momento de publicar seus textos?

 Xico Sá:  Para escrever essa parte obrigatória que normalmente é a que eu ganho a vida e paga melhor, acordo e tomo aquele cafezão violento e tento resolver as encomendas de texto. A parte mais literária que acaba indo para um livro meu, e que é do meu mundo,  não sei por que eu não consigo produzir de dia. Mesmo que eu esteja 30 dias de folga, eu não consigo produzir essa que, digamos, é a parte que eu me divirto um pouco, que eu faço com mais prazer, que eu me solto mais.

Numa entrevista para a revista Trip, referindo-se ao seu tipo de escrita, você disse: “Acho que só exagerando você é ouvido“. Faz parte do seu estilo utilizar o exagero como forma de deixar claro e enaltecer a mensagem. Que outros aspectos você utiliza no seu processo jornalístico para marcar o seu estilo?

 Xico Sá:  Ao longo de muito tempo você forma mais ou menos um jeito de escrever. Acho que estilo mesmo são os gênios que têm, Dostoievski, Machado de Assis. Eles têm um jeitinho ali de escrever. Mas foi com muito tempo, com muita leitura. Essa coisa hiperbólica que eu tenho, acho que é muito influência de nunca ter passado um dia sem ler alguma coisa do Nelson Rodrigues, dessa minha ligação muito forte que com tenho com ele. E acho que tem um traço, uns 20% de uma pegada regionalista, uma escrita que parece, às vezes, essa prosódia da fala mais ligada ao Nordeste. Isso ficou meio patente no texto.

Outra coisa: tem o humor, não do riso fácil, mas meio tragicômico. Quando falo das dores amorosas, sempre tem uma coisa que, falando da harmonia, depois tem uma ruptura ali, no lar doce lar, em uma bela história de amor.

Nas redações, é bastante comum que já exista uma agenda de fontes para determinados assuntos, além dos contatos de cada jornalista que são recorrentemente acionados. Esse tipo de prática pode acabar gerando falta de pluralidade de falas que vemos nos jornais?

 Xico Sá:  Gera e também vicia o próprio jornalista em não buscar coisas novas. Às vezes, as fontes ficam desatualizadas, as matérias ficam parecidas em todos os jornais. É tão maluco que hoje, quando acontece uma tragédia, a primeira coisa que você recebe é um e-mail de uma assessoria oferecendo uma fonte para o assunto. Empobrece um pouco o seu trabalho, se você ficar só na mão disso, na mão das fontes oficiais ou dos grandes especialistas. E acho que isso está gerando uma padronização. Os jornais são muito parecidos hoje, as pessoas procuram muito um grande especialista.

“Trabalhei um tempo em Brasília e cheguei lá sem conhecer ninguém. Comecei entrevistando contínuo, motoboy, secretaria. Essas fontes foram as que mais me deram as grandes notícias.”

Eu fazia uma coisa quando eu cobria política: ouvia muito o segundo escalão, terceiro escalão ou um funcionário que não tinha importância. Isso começou porque trabalhei um tempo em Brasília e cheguei lá sem conhecer ninguém. Comecei entrevistando contínuo, motoboy, secretaria. Essas fontes foram as que mais me deram as grandes notícias, primeiro porque são quase anônimas e manipulam os mesmos documentos que um Presidente da República, por exemplo. É muito surpreendente e enriquece o jornalismo quando a pessoa não é treinada, não é fonte oficial. Ela pode falar barbaridades incríveis para uma matéria, coisa que você não ouvirá de uma pessoa toda cercada de cuidado, que já tem uma assessoria de imprensa.

O Livro das Mulheres Extraordinárias, Big Jato e Modos de Macho & Modinhas de Fêmea são alguns dos seus 13 livros publicados. Além disso, você escreve semanalmente sobre temas cotidianos para o El País. Pensando nisso, você se considera um melhor pauteiro, repórter ou redator? Por quê?     

 Xico Sá:  Acho que eu sou um repórter e cronista hoje em dia. Estou há uma temporada sem fazer uma reportagem maior e sinto falta. Seria um péssimo chefe, um péssimo editor, até que eu daria um pauteiro razoável, porque eu estou sempre ligado quando acontece alguma coisa. Às vezes pauto os meus amigos de vários jornais de vários lugares. Fico com “isso daria uma boa materia” na cabeça. Mas hoje sou, sobretudo, um cronista que aproveita muito o fato de ter sido repórter a vida inteira. No meu texto tem muito diálogo, tem muita fala, coisas que eu escuto na rua, tem um ouvido de repórter. Até mesmo a participação na televisão é muito parecida com o que eu escrevo, com as minhas crônicas.

Um cuidado que eu tenho é o de nunca ficar só aquele escritor, cronista ou até mesmo repórter de escritório, de ficar guardado na redação. Mesmo quando é uma crônica, que eu não tenho obrigação de ir ao lugar, procuro sempre vivenciar os ambientes. Outro dia escrevi sobre o arrastão. Eu estava aqui, mas antes (de escrever) eu dei uma boa volta. Eu gosto desse tipo de experiência no jornalismo, dessa ideia de passar por dentro da história, vivenciar ou no mínimo estar perto e ouvir as pessoas e o que causou.

Você mencionou que não gostaria de se tornar um repórter de escritório. Atualmente, essa é uma tendência que vem se concretizando no jornalismo?

 Xico Sá: Só tem isso. Eu vi muito isso começando mais fortemente com vários fatores. Com as redações cada vez mais enxutas, o cara tinha cinco pautas. Coitado, às vezes está entrando na redação e pega cinco pautas. Se ele não fica só no telefone e na internet, não consegue resolver. E em uma linha auxiliar a isso tem a indústria da assessoria de imprensa, que acho que faz o trabalho dela. Cabe ao jornalista não se contentar em só receber aspas. Isso tudo são coisas que podem deixar a pessoa acomodada e isso empobrece o jornalismo.

“A entrevista mesmo pode ser feita por e-mail, sala de bate papo qualquer, teleconferência, mas muda muito o olho no olho, a presença.”

A entrevista mesmo pode ser feita por e-mail, sala de bate papo qualquer, teleconferência, mas muda muito o olho no olho, a presença, principalmente se vai fazer um perfil que você vai descrever um pouco a pessoa, um comportamento, o jeito, sentir o que é o personagem. Isso, quando você faz de longe, é um crime. Você não vai ter aquela energia de narrar. Então, se puder ir, acho que é o ideal.

Mas tem esses fatores que não são obrigatoriamente culpa do jornalista. Eu mesmo me vi em alguns momentos me acomodando, esperando um telefonema, também por ter fontes cativas que tinham interesse que a notícia fosse dada. Isso vai te deixando preguiçoso, você não vai mais até o lugar, não ouve as pessoas.

Homossexuais, estupro e HIV. O programa Amor e Sexo, apresentado por Fernanda Lima, na Rede Globo, é reproduzido em rede nacional. A mistura de entretenimento e temas polêmicos pode soar superficial ou esses assuntos são abordados de forma suficientemente esclarecedora?

Xico Sá:  Eu acho que a TV é artificial no geral. Mesmo em um programa de debate que se destina a ser mais de informação ou cultural, a televisão acaba limitando um pouco, principalmente no programa editado, que precisa ter os cuidados visuais, os cuidados da forma que fala, o que pode e o que não pode.

O Amor e Sexo, primeiro, é um programa na TV aberta, um tema que dá confusão para cacete, que trata de sexo. São tabus, então não se esgota nem de longe. O que faz de bom, e eu acho muito legal do programa, é que pauta uma discussão depois, no bar, nas casas, nas famílias, entre os colegas de trabalho. Ele sugere uma coisa, como se apresentasse um clipe da situação, mas não tem como se aprofundar. Acho que ele presta um bom serviço quando apresenta um assunto como o poliamor. Ele sugere e deixa discutir, não fecha uma questão no “tem que ser assim ou assado”.

Carolina Brandileone e Rafael Simões (5º semestre de Jornalismo)

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